Crónicas de tudo e de nada: Coisas realmente importantes

Há coisas que nos fazem “ir abaixo”. Coisas que podem ir desde o desemprego real dos filhos ou o receio que percam o emprego que têm, ao combóio que se atrasa e nos faz perder a ligação, o cano que rebenta na cozinha, o vestido que deixou de nos servir, o Presidente que vai a todas ou o Primeiro-Ministro que sorri mesmo quando o caso é sério, o arroz que deixámos torrar, o carro que avariou, a empregada que se despediu sem aviso prévio, o dinheiro da prestação que foi usado para comprar os livros dos pequenos, enfim, um mar de circunstâncias, mais ou menos sérias (algumas nada sérias…) que nos fazem sentir que o mundo se voltou contra nós, que não há nada que não nos aconteça ou, como diria a minha Mãe, que “está o mar mais alto que a terra”.
Porque nos queixamos de problemas que não o são de facto, de situações que se resolvem com um telefonema, de aborrecimentos que desaparecem na hora seguinte? Porque gastamos energia com dúvidas que se dissolvem com uma conversa, dilemas que se resolvem com o tempo, questões que não são definitivas? Porque nos deixamos azedar por discussões sem sentido só porque queremos ter razão, zangas em miniatura e agruras que não são irrevogáveis?
E, contudo, é assim que nós somos. É desta fibra que é feita a natureza humana. Pensamos no essencial mas depois damos atenção ao acessório, juramos que não nos vamos envolver mas respondemos a todas as provocações, dizemos que o importante é ter saúde mas depois queixamo-nos de qualquer pequeno contratempo.
Até que um dia um amigo ou um familiar nos diz que tem cancro e nos meses e por vezes anos seguintes acompanhamos o seu sofrimento e o da família: as diferentes etapas de uma doença que, apesar de ser cada vez mais comum, não parece estar à beira de ser erradicada; a perplexidade, a dúvida, a negação, a raiva, os altos e baixos (mais baixos do que altos, infelizmente) provocados por tratamentos milagrosos, análises inconclusivas, recuperações relâmpago seguidas de tratamentos mais agressivos, de exames dolorosos, de novos medicamentos que trazem a todos novas esperanças… até à decadência ritmada e dolorosa da sua qualidade de vida… até à ausência da dor, acompanhada da ausência de tudo, até… ao fim.
E aí tudo se torna irrelevante.

 

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