Depois de tanto tempo passado reconheço, tenho a certeza, que ele foi um Príncipe na minha vida.
Agora sei que eles nos aparecem de repente, surgem do nada, surgem como uma magia a destempo, surgem contra o tempo, sem anunciar o propósito, nem a sua valia.
Quando olhei para ele, não o vi, nem tentei vê-lo, nem sequer me dei a tal trabalho. Apenas vi cabelos pintados pelo tempo. Vi cabelos pintados daquela cor branca que tira a graça aos velhos, tal como a tira aos muros dela descascados. Fora isso, vinha pintado de cor nenhuma, vinha pintado da cor do vento insignificante, mas tão poderoso. Como me enganei. Como me enganei mais uma vez, como nas outras tantas vezes anteriores, cúmulos de enganos somados nesta minha vida e transformados numa enorme montanha.
Aquele era um verdadeiro Príncipe, -não era engano. Olhei para ele, mas não o vi, nem tentei vê-lo, nem sequer me dei a tal trabalho. Era-o na simplicidade do trato; era-o na doçura das palavras; era-o na sabedoria que carregava; era-o na forma como regava tudo com a suavidade do amor que aspergia em gotículas de graciosidade quase invisível -agora sei!
Olhei tantas vezes para ele, mas nunca quis vê-lo. Rejeitei-o. Apenas valorizei aquilo que dele mais desvalorizava em mim -a cor branca denunciada nos seus cabelos.
Não quis ver nele senão um velho; senão mais do que um incomodativo velho; senão um velho que me incomodava, mesmo sem me querer incomodar, mas que me anunciava sem mo dizer, aquele tempo ainda sem tempo –o meu futuro- que quando alcançado, rapidamente se tornaria no tempo já sem tempo –o meu passado. Agora, neste meu tempo que ainda é tempo, –o meu presente-, aquele em que agora falo e em que agora recordo, este tempo em que também já sou branca nos cabelos que pinto de engano loiro, reconheço que não quis ver nele senão um velho; senão mais do que um incomodativo velho; senão um velho que me incomodava, mesmo sem me querer incomodar.
Fui amada. Fui muito amada. Fui amada com amor trajado a rigor de silêncio em fraque de discrição e com o peitilho apertado com um laço mudo, enquanto eu, insciente, desfilava perfeições corporais incendiárias de desejos na Ipanema da juventude do meu corpo perfeito, gostosa, na idade da vida ainda descomprometida com os medos e receios daquele tempo ainda sem tempo.
Olhares discretos, transbordantes de sabedoria nos olhos que olham a vida com verdade, que saboreiam as suas formas, os seus paladares, aromas e tudo o mais que de bom a vida contém, sem tocar, sem falar, sem olhar, olhando directamente. Aqueles olhares fizeram-me sua e, tiveram-me verdadeiramente… Tiveram-me em sonhos realmente sonhados, tiveram-me em deleites que –agora que sei deles- me dão vida, apesar do choro que realmente choro na perda que sinto pelo desperdício que fui naquela vaidade cega e efémera que me roubou verdadeiramente a vida verdadeira.
Bailou o Príncipe diante de mim. Bailou ao som dos acordes maravilhosos emanados da verdadeira sinfonia do amor, apenas escutada pelas almas enamoradas. Bailou sempre a solo. Nunca bailamos os dois, mas também nunca me convidou para bailá-la, porque ele sabia que eu ainda não sabia bailar ao som daquela sublime melodia. Embora sempre à distância dum olhar, sempre acabou por me ensinar a bailá-la.
Também me enxugou muitas vezes as amargas lágrimas dos desamores travestidos de amores distorcidos por desejos violentos e disfarçados de tudo contrário àquilo que verdadeiramente eram - ilusões premeditadas e ensaiadas inconscientemente com quase convincente verdade.
Olhei tantas vezes para ele, mas nunca quis vê-lo. Rejeitei-o. Apenas valorizei aquilo que dele mais desvalorizava em mim -a cor branca denunciada nos seus cabelos. Hoje, eu já Rainha na vida, sei tudo o que ele, sem eu saber, me ensinou. Hoje, até as dores dum Príncipe conheço. Sinto-as no meu desgosto e degusto-lhes o amargo sabor sem querer.
Como é próprio da vida, um dia, o Príncipe partiu sem me poder avisar. Partiu confundindo-se na bruma da cor do vento sem cor e, dele, apenas ficaram em forma de perfume, as memórias daquele tempo que já não é tempo…
São assim os rastos dos verdadeiros Príncipes e Princesas nas nossas vidas. Basta estarmos atentas! Basta sabermos ler nas linhas sinuosas da vida…
*Este texto foi escrito segundo os termos da ortografia anterior ao recente (des)Acordo Ortográfico.
Inicie sessão
ou
registe-se
gratuitamente para comentar.
|
O «Figueira Na Hora» é um órgão de comunicação social devidamente registado na ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social). Encontra-se em pleno funcionamento desde abril de 2013, tendo como ponto fulcral da sua actividade as plataformas digitais e redes sociais na Internet.
design by ID PORTUGAL