Quando os meus olhos tocaram nos teus

Tenho uma pergunta a fazer-te.
E já lá vai algum tempo.
Lembras-te da primeira vez que nos olhámos sem que os nossos olhares vissem mais nada?
Lembras-te do meu antelábio aos tremeliques e a parvoeira dos tiques do meu olho direito que diziam a tudo e a todos que tu, aquela situação, aquele aproximar, punham-me uma panela a ferver no colo?
Lembro-me de só dizer: tu és tão Linda, ao que tu respondias: tu és tão parvo!
No outro dia, lembraste-me daquela fotografia tirada em frente ao bar, onde fomos beber eu um café e tu um chá de frutos vermelhos.
Eu era muito diferente, mais magro, mais espontâneo, mais brincalhão. De qualquer coisa, de qualquer momento, com qualquer pessoa eu gerava uma brincadeira e, depois meio aflito, tentava gerenciar os danos da mesma, também em tom meio muito sério, para mim, num profundo mistério, como haveria eu sentar e explicar que o que tinha dito ou feito, Deus nem eu fazíamos ideia. De mim tinha ido. Torradas sem torradeira. Um verdadeiro abelhão tolo perdido na sua própria colmeia.
Saía, e ia disparado a correr, desesperado sem o saber, tentando ora agradecer ora desculpa-me ora o esquecer. Para depois apanhar boleia na primeira coisa que fazia. Depois, era esquecer-me. Enterrar-me em divagações. Em associações de escrita, seca para ti e para tantos, tantos certões. E, na verdade devia era lembrar-me e naquela cagaita aprender para o futuro, viver o presente e o passado esquecer, devagar ou a fundo, não importa a velocidade, importa sim a maneira. Mas sim, concordo, mais calmo parece-me deveras boa ideia. (Sem o saber, já fiz curvas e rectas de olhos fechados com as mãos fechadas nos blusões). Não será essa a melhor não forma de saber viver e poder assim comer as torradas da torradeira?
E tu Ana, a muito custo, muitas vezes sem eu bem o perceber, mostraste-me que ver é viver e, na verdade eu passava por muitas situações sem as ver.
Nem sequer as pensava, mas ia a fundo, a bem, a mal, bastava um sismar e ninguém me agarrava.
Nem familiares, nem amigos, nem nada, ninguém. Nada.
Quando aceitei há uns anos que já não via mesmo nada bem, acedi à teimosia, fui ao oftalmologista, não via um boi no fundo do mato ou ao para mim farto de tão perto, mais fino ou grosso, incerto de tão certo, velho de tão moço, já bem na beira desse desconsolo para uns, coisa hip para outros, nunca percebi o que de bonito tem por uma porcaria que nos pesa a cara, que se suja a toda a hora, que não nos faz nem mais bonitos nem mais feios, para mim, era dizer adeus a esta coisa para sempre. Precisar, para mim sempre foi coisa feia.
Depois de o aceitar, tive e tenho de usar óculos para ler e quando me farto de o fazer, escrevo, como agora.
A porcaria é que com o passar do tempo até para agarrar o papel higiénico e limpar as merdas da vida, preciso deles. Pior, é de que de há uns anos para cá, só não preciso deles para dormir, mas acho que isso não é mau, há coisas que só nos olhos de Deus é que se dão a ver. Já o perceber, na maior parte dos casos dura uma vida.
Deitei-me agora, chateadíssimo porque não conseguia ler, chateado porque não acabei os que me tinha proposto, mais chateado porque tentei ler outra vez um dos que mais gosto, "A Montanha Mágica" de Thomas Mann.
Ainda pensei… bem este também não dá, vou aos de Eco. Não deu também. Tentei ainda os de Lobo Antunes, também nada. Quase a desistir, tentei depois de olhar de relance para outras, uns de Afonso Cruz, outros de Águalusa, os de Valter Hugo Mãe, os de Camus, outros tantos que me viciam, esgotam e desisti. Nem mesmo os de Herberto Helder, todos me fugiram. Mas não me desistem. Sempre achei que os livros nunca estão fechados, estão é na espera de alguém e aquela forma de fecho entre capas é a forma que eles arranjam para poderem contar a sua história com ânimo a um outro quê de os quem.
Deitei-me na nossa cama de rosas sem rosas, porque tu apareceste e aninhaste-me. Juro podem haver no mundo milhões de rosas e todas são minhas porque tu saíste da sala e vieste agora aqui. Não acredito noutra forma de ver o amor, como esta, agora aqui.
Quando um olho arrefece, outro esquenta. Sabes, com o tempo aprendi a olhar com seis olhos, os teus, os meus e os nossos, digo isto e sinto o calor de toda e qualquer toda tua maneira. Contigo, comecei a tentar ver melhor tudo, cada seu quê de ideia.
Um poema, quando me acabo nele, acaba-se-me tudo nele, e tu és o poema que eu nunca rimei e que no contraditório rima para sempre, por isso e por favor, de vez em vez, espera, para e espreita, posso precisar dos teus olhos ou que tu limpes os meus, para o mundo ser de outra maneira, não a minha, não a tua. Sabes, aquela segunda-feira?
Já lá vai algum tempo, agora resta-me aprender o reflexo dos pronomes, os me, te, lhe, e os nos, vos lhes, e com eles ver como a Vida inteira anda e nos "Ana".

 

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