Viagem pelo meu jardim

É tão fácil esmagar uma flor! É tão fácil arrancá-la e condená-la a uma morte lenta, inútil e inglória. É tão fácil deflorá-la pétala a pétala na patética tentativa da descoberta do mal-me-quer-bem-me-quer. É tão fácil enganar e transformar um mal-me-quer num bem-me-quer começando, tão somente, a contagem pela forma contrária.
É tão fácil, mas parece tão difícil, usufruir sem ter, sem prender. É tão fácil, mas parece tão difícil, respeitar e amar sem estragar, sem conspurcar nem matar. É tão fácil, afinal apenas basta entender que nada é nosso, que as flores não são nossas, que elas só são flores enquanto o forem em nós.
É tão fácil aprender com as flores que, se-lhes-quisermos-bem, não nos podemos apropriar delas. É tão fácil aprender com as flores que, se-lhes-quisermos-bem, se as quisermos ter, devemos apenas observá-las, cheirá-las, devemos preencher a nossa mente com elas e devemos querer-lhes somente bem, porque elas não são oráculos e as suas pétalas não têm poderes divinatórios sobre quem nos-quer-bem-ou-mal-nos-quer, devemos compreender que elas tão pouco se importam com isso. É tão fácil compreender que elas são só do lado do belo e do bem.
É tão fácil tornarmo-nos sábios. É tão fácil ouvir o lamento das flores. Felizmente, ouvi-o ainda a tempo, e, -mais vale tarde, do que nunca-, nunca mais repetirei tão grande malvadez. Felizmente, ouvi o lamento das flores ainda a tempo e tornei-me sábio. Arrependi-me. Nunca mais as arranquei nem as desfolhei.
É tão fácil compreender que se não a arrancar, amanhã, -se para mim voltar a haver amanhã-, poderei contemplá-la de novo, poderei até, ver nela o que hoje ainda não consegui ver, e poderei usufruí-la novamente.
Hoje, porque não fui sábio, e porque nem sequer sabia... entristeço-me por todas as flores que arranquei e por todas aquelas que em vão desfolhei.
É tão fácil, mas parece tão difícil, usufruir sem ter. É tão fácil, mas parece tão difícil, respeitar e amar sem estragar, sem conspurcar nem matar. É tão fácil, mas parece tão difícil, perceber e aprender que acontece assim com quase todas as coisas na vida.
É tão fácil, mas parece tão difícil...

*Este texto foi escrito segundo os termos da ortografia anterior ao recente (des)Acordo Ortográfico.

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