Opinião: “O que queres ser quando fores grande?” - “9° ano, e agora?” — e outras perguntas que pesam mais do que parecem

Cristina Loureiro

A pergunta até pode ser feita com ternura. Com uma curiosidade que se veste de cuidado e das melhores intenções. Mas, talvez sem nos darmos conta disso, também carrega um peso que nem sempre é justo de se colocar sobre ombros tão pequenos.

“O que queres ser quando fores grande?”
Perguntam os crescidos aos mais pequenos, como quem abre um mundo de possibilidades. Mas esta pergunta pode ser o início de uma pressão silenciosa — aquela que liga (para sempre) identidade a produtividade, e valor pessoal a desempenho.

A pressão invisível
Quando perguntamos isto a uma Criança ou a um Jovem, estamos a antecipar um tempo que ainda não é deles. Estamos a empurrá-los para um futuro, muitas vezes sem lhes darmos tempo de experienciarem o presente. E sim, isto poderá gerar uma ansiedade de antecipação, e despertar neles um estado em que o foco excessivo no que “deverá vir a ser” pode interferir na capacidade de estar, de explorar e de crescer ao ritmo natural dos acontecimentos ou das vivências.

Para muitas Crianças, especialmente para aquelas que demonstram características de maior sensibilidade ou perfeccionismo, esta pergunta acarreta dilemas:
E se eu não souber?
E se eu escolher mal?
E se aquilo que eu quero ser não for bom o suficiente?

Estas inquietações, embora silenciosas, podem tornar-se sementes de insegurança, medo de errar, ou até necessidade de corresponder às expectativas dos Adultos (mesmo que isso implique abandonar a própria voz interior).

A ciência chama-lhe motivação extrínseca condicionada pelo reforço social — a tendência em agir para agradar, corresponder ou evitar julgamentos, em vez de seguir motivações autênticas, baseadas nos interesses pessoais.

O peso das escolhas precoces
Na Adolescência, esta pressão intensifica-se, sobretudo quando os Jovens se aproximam do 9° ano de escolaridade. Os Jovens são constantemente confrontados com possíveis escolhas que vão, teoricamente, “definir o seu futuro”: decisões, áreas de estudo, exames, carreiras. Mas a Neurociência diz-nos que o cérebro humano só atinge a sua maturidade por volta dos 25 anos, sobretudo nas áreas associadas à tomada de decisão, ao controlo emocional e ao planeamento de longo prazo.

Estamos, portanto, a pedir definições estáveis de identidade e futuro a cérebros que ainda estão em processo de construção. E isto não é só injusto — é contraproducente.
Estas perguntas podem criar Crianças e Jovens que seguem caminhos por medo ou obediência, e não por sentirem um verdadeiro sentido de propósito. E depois? Haverá consequências? Claro que existem: chegam à idade adulta cheios de títulos, mas vazios de si.

E se mudássemos a pergunta?
Em vez de perguntarmos “O que queres ser quando fores grande?”, talvez devêssemos perguntar: o que te faz sentir vivo? Quais são as tuas curiosidades? Que tipo de pessoa queres ser para os outros? O que achas bonito no mundo? E como gostavas de contribuir para isso?
Estas perguntas deslocam o foco do “fazer” para o “ser”. Do “papel” ou da “função” para o “carácter”. Da ansiedade da definição para a exploração da identidade. E o mais importante: estas perguntas libertam as Crianças da obrigação de serem alguém no futuro para lhes dar espaço para serem quem são agora.

É necessário resgatar a infância (e a identidade) desse lugar de exigência disfarçada e ter presente que, o que verdadeiramente transforma o mundo não são as profissões, mas sim as pessoas. Sim, as pessoas. E as pessoas inteiras, com sentido de si, com consciência e com liberdade interior, só se constroem quando são vistas para além da função que desempenham.

Durante anos, as Crianças e os Jovens escutam que precisam de “ser alguém na vida”.
A frase parece simples e até motivadora. Mas corre-se o risco de, na idade adulta, olharem à sua volta — com diplomas na parede, cargos conquistados, responsabilidades cumpridas — e sentirem que, lá no fundo, fizeram tudo certo, mas falta-lhes algo.

E o que começou como uma pergunta inocente na infância (“o que queres ser?”), transformou-se num guião silencioso: prova o teu valor, sê produtivo, sê reconhecido, sê útil - a exigência de definirmos o nosso valor através do que fazemos — e não através de quem somos.

Nas sociedades modernas, a profissão tornou-se o centro da Identidade Adulta. Uma das primeiras coisas que perguntamos a alguém é: “O que fazes?” E a resposta tornou-se também na maneira mais rápida de nos descrevermos a nós próprios.
Dizer “sou médica”, “sou advogado”, não é apenas uma descrição — é uma afirmação de existência social. É quase como um selo de legitimidade.
Todavia, esquecemo-nos que quando toda a autoestima se ancora numa função, a Identidade torna-se frágil. Basta uma mudança de carreira, uma demissão, um esgotamento, ou simplesmente uma fase de transição, e as pessoas deixam de saber quem são - porque algures no tempo, deixaram de se definir pelas suas verdades internas e passaram a viver ao ritmo das etiquetas externas.

Muitas pessoas passam anos a perseguir metas, sem espaço para se perguntarem: “mas isto tem a ver comigo? É mesmo isto que eu gosto?” Anos seguidos a colocar a máscara da competência, da eficácia, da performance — enquanto que, por dentro, uma parte de muitas pessoas, adormece (e deixam de acreditar que podem ser amados se forem simplesmente eles próprios). Porque, muitas vezes, o caminho foi desenhado com as mãos e as opiniões e os conselhos dos outros — pelas expectativas da família, da escola e da sociedade.

Partilho assim uma sugestão: mais momentos sem metas com as nossas Crianças e os nossos Jovens. Relações sem máscaras. Refeições sem telemóveis. Tempo sem pressa. Presença para sentir. Presença sem julgamentos quando falham. Normalizar a frustração em vez de a tapar com prendas ou de desviar o foco para a Netflix ou para uma próxima meta. Parar para escutar. Escutar mais.

Talvez o maior presente que podemos dar às Crianças — e a nós mesmos — seja este: permitir que a Vida não tenha de ser decidida tão cedo, nem medida apenas pelo que se faz. Permitir que a Identidade cresça com tempo, com espaço, com falhas e com descobertas. Permitir que os interesses e os sonhos vão mudando.
Porque mais importante do que formar Crianças como se fossem mini adultos e profissionais para o mundo, é formar seres humanos inteiros, com coragem para se escolherem, mesmo quando o mundo espera outra coisa deles. E isto começa nas perguntas que fazemos — e no amor com que ouvimos as respostas sem os interrompermos.

Cristina Loureiro
Diretora Pedagógica do Conservatório de Música David de Sousa e Especialista em Neurociência Aplicada às Pessoas e às Organizações

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