Ajuste de contas!

Estava fechada dentro de mim, estava com as minhas persianas complementamente corridas e trancadas. A escuridão em mim era total. Também eram negros os meus pensamentos e, portanto, não se distinguiam da escuridão restante. Não me mexia com medo de tropeçar em alguma coisa dentro de mim e poder provocar uma hecatombe.
Bem contadas, ouvi as doze badaladas baterem seguidas e compassadas. Ambíguas, elas assinalavam a morte de metade daquele dia ainda meio novo.
Não consegui conter-me e explodi, soltei a dor:
- Sempre foste falso comigo! Sempre me fugiste! Sempre me enganaste!
- Mesmo quando parecias presente, na verdade, não estavas..., odeio-te por isso! Nunca te hei-de perdoar!
- Falso! És falso! Trajas-te duma mansidão enganadora e, afinal, foges-me numa correria louca. - Qual é a tua pressa? - Que desespero é esse? - Porque me foges? - Dá-me uma explicação!
- Foste sempre assim... mau! Muito mau! Nunca paraste um segundo sequer... sempre a correr... sempre a desgastar- -te...
- Eras tu a fugires de ti próprio. Eras como o tempo a fugir do tempo e sempre sem tempo. É como se o teu único propósito fosse matar o presente e me matares também.
- Sabes que me assustas muito? - Sabes que me causas uma enorme insegurança? Perco-te! Passas por mim sem te sentir. Desagrada-me isso.
- Há alturas em que te odeio seriamente. Odeio-te! Odeio-te!!! Nunca tive coragem para te dizer com esta firmeza. Mas odeio-te!
- Em boa verdade, nunca te senti presente! Nunca te senti ao meu lado! Quando te procurava, estavas sempre atrás. Estavas sempre muito atrás. Parecia que andavas sempre atrasado, sempre em contratempo...Era como se fosses sempre passado e, já não houvesse nada a fazer.
- Sempre que olhei para a frente à tua procura nunca te vi - para ti o futuro era sempre incerto e sempre duvidoso. Parecia que fazias questão de me fazeres sentir que juntos não tínhamos futuro.
- Com segurança, com certeza, com certezinha absoluta nunca te vislumbrei no futuro. Parecia que nunca estarias lá comigo, nem querias estar...
- Pois agora te digo com todas as letras: És passado! É exactamente isso, és passado! Nada mais és do que passado! És inútil! Estás lá atrás! Não tens um sopro de vida! Estás parado! Estás perdido dentro de ti próprio! És passado! Passado... passado... passado, cada vez mais passado! Seu grande ingrato!!!
- Ingrato! Grande ingrato!!! Dei-te a minha vida toda! Dei-te todos os segundos do meu tempo. - E tu? Tu nem um único segundo me repetiste - avarento!!!
- Conheço-te! Conheço-te bem demais! Amadureci! Fizeste-me crescer muito ao roubares-me o meu precioso tempo.
- Eu sei! Tenho a certeza que um dia, depois de me exaurires complementamente, então sim!, me abandonarás. Sei que me exaurirás até ao último segundo, apesar de eu já não te servir para nada. É a tua natureza. És assim!
- Fica sabendo que eu também me vingarei de ti! Ser-me-ás complementamente indiferente!
- Pagar-te-ei com a minha indiferença! Nada sentirei de ti e nada mais me dirás!
- Vencer-te-ei com a mesma arma com que me vencestes. Matar-te-ei com a mesma arma com que me mataste. Provarás o prato que se serve frio!
- Sabes? Tenho na minha vitória a quase certeza da minha derrota. É uma sensação angustiante porque sei que estando tu morto, passado e ressequido, não te consegirei tirar de dentro de mim - que maldição! - pelo contrário, estarás cada vez mais forte, diminuindo...crescerás e a cada dia que passar ficarás mais presente, apesar de te tornares cada vez mais passado - que ironia - um passado presente e um presente passado que em nada me presenteias!
- Sabes? Lembro-me de mim ainda muito pequenina, chorava porque tinha sido castigada e recriminava-me porque sabia que a minha desobediência seria castigada - parece-me que foi ontem! - Como podes tu seres tão falso, ó TEMPO ?! Que raio de passado é o teu que até a ti te engana? Masoquista! Sobrevalorizas as dores e afogas as alegrias na nostalgia. Até inventaste a saudade só para fazeres as feridas sangrarem permanentemente. És mesmo velhaco, ó TEMPO! sem tempo que revestes de ti próprio a corda com que a ti próprio te enforcarás, ó malvado! Odeio-te! Vigar-me-ei de ti!

PS. Para ti querido irmão, faz hoje mais um tempo deste tempo em que a destempo partiste. Eterna saudade!

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