Regresso hoje à colaboração com o “Figueira na Hora”, começando por agradecer o simpático convite para retomar esta ligação.
Seria sempre difícil, atento o momento em que acontece, reencetar este espaço de opinião sem dizer algo sobre as eleições autárquicas que se disputam no próximo mês.
Tenho de começar pela clássica declaração de interesses. Sou militante do PS e apoio a candidatura do Partido Socialista à Câmara Municipal. Mesmo se, desde há uns tempos, tenho dificuldade em rever-me na lógica dos entendimentos que, a nível nacional, se vão tecendo, isso não prejudica a minha adesão aos princípios doutrinários do PS. O PS é – sempre foi – um partido plural e nele, desde a fundação em 1973, confluíram pessoas com diferentes mundividências que se conseguiram unir em torno das ideias de equilíbrio entre liberdade individual, eficiência económica, justiça distributiva e, mais modernamente, preservação da natureza.
Adicionalmente, fui, no mandato que vai terminar, membro da Assembleia Municipal e subscrevo o essencial das políticas públicas que o executivo municipal levou a cabo. Subscrever o essencial não implica, evidentemente, uma aprovação acrítica de todas as opções tomadas. Nada de estranho, a unanimidade total e permanente, mesmo entre correligionários, é coisa própria dos regimes totalitários e não das democracias pluralistas.
Com isto assente, começo por assinalar o óbvio. As próximas eleições autárquicas da Figueira da Foz serão seguramente as mais interessantes e disputadas desde, pelo menos, 2009. Isso é assim por razões também elas evidentes: porque as eleições constituirão o primeiro teste a que Carlos Monteiro se submete na qualidade de candidato a Presidente e também porque esse teste se dá com a presença em palco de uma candidatura sem vinculação partidária liderada por Santana Lopes. Talvez se possa também dizer, em abono desse interesse acrescido, que, ao contrário do que aconteceu há 4 anos, a candidatura do PSD tem propósitos ganhadores. Se esses propósitos poderão ultrapassar esse estatuto é coisa de que duvido muito mas a decisão final caberá, como sempre, aos eleitores.
É facto que, até à data, a campanha do PSD é a mais bem gizada no plano da imagem e, genericamente, da comunicação. A campanha tem ar indiscutivelmente profissional e o candidato tem aquela fraseologia arredondada, muito típica do discurso político contemporâneo, cheia de “pilares”, “sinergias”, “resiliência”, “alavancagem” e “apostas”. Suspeito, todavia, que no momento em que se exija algo mais do que formulações genéricas se percebam bem as contradições, vacuidades e o “nonsense” em que está envolta a retórica da candidatura do PSD.
Aliás, se virmos com algum cuidado, houve já alguns afloramentos disso mesmo. Dou três exemplos:
i) há pouco, o candidato do PSD anunciou que, acaso saísse vencedor das eleições, instituiria um “novo modelo de governação” das freguesias. Vale a pena começar por assinalar que o “modelo de governação” das freguesias é o que está previsto na lei e outro, num Estado de Direito, não pode ser praticado. Concedamos, no entanto, que o candidato queria significar que, com uma eventual vitória sua, as freguesias seriam dotadas de competências delegadas pelo município nos termos para os quais há habilitação legal. Uma ideia de louvar. Há um consenso em torno dos benefícios da aplicação do princípio da subsidiariedade. Sucede, todavia, que esse tal “novo modelo de governação” está já em prática. Não é novo, nem foi agora inventado. Há uma multiplicidade de contratos interadministrativos que delegam competências e meios municipais nas freguesias.
Mas há algo mais. A transferência de competências para as freguesias que a lei possibilitou há algum tempo podia, sob certas condições, ser antecipada. E foi-o na Figueira da Foz relativamente a quatro freguesias. Isto é, o “novo modelo de governação” foi antecipado para quatro casos em que foi possível obter um consenso município-freguesia. Cabe perguntar o que achou dessa antecipação, na Assembleia Municipal, o grupo do PSD. Pois bem, achou mal e votou contra.
ii) Há dias, numa entrevista a um canal televisivo, o candidato do PSD afirmou que, se for eleito, “reverterá e resgatará” o contrato de concessão do serviço de fornecimento de água em que o Município é concedente e a Águas da Figueira é concessionária. Voltaria, portanto, o serviço a ser prestado pelo próprio município, por uns (a criar) serviços municipalizados ou por um outro concessionário. Estranhamente, a meu ver, essa afirmação não suscitou, aqui, sobressalto nem sequer uma pergunta adicional do jornalista. É que um tal lance custaria pelo menos 12 milhões de euros. Repito, 12 milhões de euros. Caberia, evidentemente, a pergunta de como pensa o candidato do PSD financiar esse resgate ou se, pura e simplesmente, amputaria o orçamento municipal de investimentos desse montante. Para os mais curiosos, o contrato está disponível no site da empresa concessionária (aqui: https://www.aguasdafigueira.com/modelo-de-governo) e a norma que trata do resgate é o artigo 54º desse contrato. De todo o modo, trata-se de informação de grande utilidade. Ficamos a saber que, com uma hipotética vitória do PSD, teríamos a concessão da água resgatada, 12 milhões de euros de indemnização ao concessionário para, a seguir, o regulador vir dizer que o preço teria de ser muito aproximadamente o mesmo. Não há lugar, nos dias de hoje, para “preços políticos” da água. Os custos com a captação e a distribuição têm de ser reflectidos na tarifa. Tudo o resto é conversa.
iii) Durante anos, ouvimos do PSD da Figueira da Foz a ideia de que o mandato de Santana Lopes (1997-2001) tinha sido a quinta essência da gestão municipal. Figueira no mapa, obras “estruturantes”, festas, acontecimentos vários, glamour, quase que havia um centro de congressos, etc, etc. Saudade e gratidão, hossanas sem fim. Afinal, diz-nos agora o mesmo partido, não. Não, nada. Foi despesista e “hipotecou e condicionou todos os executivos que lhe sucederam” e “ainda hoje estamos a pagar essa factura”. “Prescindiu (Santana Lopes) de investimentos prioritários para o concelho em favor de investimentos de maior espectacularidade”. Pedro Machado, portanto o PSD/Figueira da Foz, dixit. Groucho Marx não diria melhor. Tenho aqui uns princípios maravilhosos mas, se não me convierem no momento, tenho outros. Seria bem interessante saber o que pensam, a respeito desta dualidade, umas personalidades que foram entusiastas de Santana Lopes no mandato 1997-2001 e que figuram agora na lista de apoiantes deste PSD que execra o legado daquele.
Isto não obsta, porém, a que a candidatura de Santana Lopes seja um objecto político estranho.
É certo que Santana Lopes não é um político qualquer. Tem um longo percurso, desempenhou quase todos os cargos a que podia aspirar, dispõe de enorme experiência acumulada, exprime-se de forma clara e cativante e transporta consigo um magnetismo pessoal comummente reconhecido.
Mesmo assim, esta participação é quase como se, numa epifania, Jorge Sampaio resolvesse agora candidatar-se, como independente, a Presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Reunia uma federação de descontentes, jurava o seu amor infinito à cidade e ia por ali fora dizer que no seu tempo é que foi e que vinha agora meter a cidade na ordem. A estupefacção, imagino eu, seria generalizada.
E por isso, não nos enganemos. A Figueira da Foz é, neste processo, a namorada dedicada mas enjeitada. A Figueira da Foz é aquela que foi deixada em nome de um tal “imperativo nacional” como se uma candidatura à Câmara de Lisboa alguma vez pudesse ter essa qualificação. A Figueira da Foz nunca foi uma finalidade no percurso político meio errático de Santana Lopes. Sempre foi um veículo e, porventura, uma prisão política de que se quis livrar tão depressa quanto conseguiu. Hoje, talvez com várias outras portas fechadas, ter-se-á lembrado do remanso figueirense.
Não nos iludamos. Um político como Santana Lopes que sempre mostrou grande vontade de poder (e isso não tem de ser mau), que sempre se apresentou como homem de acção, só se lembra da Figueira da Foz em último recurso. Só nos outdoors é que a Figueira da Foz é “a primeira”, na realidade terá sido a última opção disponível. Aliás, esta confusão recente com morada, casa de amigos, hotel é a prova cabal de que nada disto foi planeado. O amor de Santana Lopes pela Figueira da Foz é muito lindo excepto se houver desafios políticos mais soantes. Não os havendo, é uma ligação para vida. Chega a comover…
E também não nos menosprezemos. A tirada “venho para meter isto na ordem” é um atestado de menoridade aos que aqui vivem e votam. Só faltou acrescentar-lhe o sufixo “porque vós sozinhos não conseguis”. Tudo o que devemos dispensar, julgo eu, é esta espécie de caudilhismo de recorte sul-americano e impróprio dos modos liberais da Europa Ocidental.
E mesmo sobre “meter na ordem”, toda a dúvida deve ser posta em cima da mesa. E nada como ver o que disse o Tribunal de Contas (bem como o respectivo contraditório) sobre a conta de gerência do município da Figueira da Foz de 1999. Um desfile copioso de irregularidades e descontrolo. O documento está disponível em www.tcontas.pt/pt-pt/ProdutosTC/Relatorios/RelatoriosAuditoria/Documents/2002/rel032-2002-2s.pdf.
Em síntese, remunerar eleitoralmente Santana Lopes, em 2021 na Figueira da Foz, seria uma desconsideração que o concelho faria a si próprio e colocar-nos-ia, não tenho dúvida, a jeito para voltarmos a figurar nas listas dos municípios sobreendividados e de passarmos mais uns anos (os subsequentes) a penar por causa disso. Tudo em nome de coisas efémeras, festarola e fogo fátuo.
Uma última anotação sobre o discurso dos “challengers”: O único argumento usado para contestar a gestão municipal tem sido um tal de “marasmo” e uma tal de “estagnação”. Cabe dizer o seguinte: o valor analítico dessas tiradas é zero. Não estão apoiadas num único indicador sólido. Uns “acham” que há “marasmo”, outros “ouviram por aí”. Aposto, sem ver, que, um pouco por todo o lado, as oposições falam de concelhos “a atrasar-se”, “parados no tempo”, “estagnados”. É o “langue de bois” político, igual em todo o lado.
Ainda assim, aos teorizadores do “marasmo” e da “estagnação” saiu-lhes agora um “prémio” na rifa: Os resultados preliminares do censos 2021. Aqui d`el-Rei. A Figueira da Foz perdeu população, estamos a definhar, eis a prova do marasmo. Sucede, porém, que os que dizem isto são os mesmos que asseguram que concelhos vizinhos (Pombal e Cantanhede, por exemplo) progridem a todo o vapor. Por infortúnio, têm, esses concelhos, perdas de população maiores do que a Figueira. Só como apontamento adicional: Fundão, município a que preside um dos autarcas-modelo do PSD, teve uma perda de população que é, em termos relativos, o triplo da verificada na Figueira da Foz.
Mas mais, até porque não resolvemos nada com o mal dos outros. Quem queira tirar conclusões sérias dos dados do censos tem de, no mínimo, obter informação adicional. E é preciso que saibamos o que é que, na variação ocorrida, é saldo migratório (e esse sim talvez meça, com algum rigor, o nível de atracção de um concelho) e distinguir isso do que é saldo natural. É porque se o problema na Figueira está centrado, como suspeito que esteja, no saldo natural (diferença entre nascimentos e óbitos) aí a coisa transcende de forma muito significativa as fronteiras do concelho e do próprio país. Esse é o problema da civilização ocidental. Temos poucos filhos e não estamos a assegurar a renovação das gerações.
Sobra, portanto, a candidatura do PS encabeçada por Carlos Monteiro.
Repetindo-me, diria o seguinte: Não é à toa que as outras candidaturas se refugiam no argumento do “marasmo”. Um conceito indeterminado e pouco susceptível de escrutínio. Na verdade, ninguém contesta o ordenamento das contas e a credibilidade dos orçamentos municipais, a reestruturação do sector das empresas municipais, a inexistência de quaisquer indícios de corrupção, as intervenções em estabelecimentos de ensino (São Pedro, por exemplo), em unidades de saúde (Alhadas ou Lavos, por exemplo), a modernização dos serviços municipais com o novo centro logístico e com a expansão dos serviços online, a isenção da derrama para as pequenas sociedades, a melhoria sensível da rede viária do concelho (em 2009, o concelho parecia saído de uma guerra civil), o Somni/Sunset, o novo quartel dos bombeiros municipais e a remodelação e nova vida do antigo quartel, a reabilitação do mercado municipal, o processo já encetado de renovação integral da iluminação pública, a limpeza das praias, os incentivos fiscais à reabilitação urbana e ao investimento empresarial, o orçamento participativo, a revisão do PDM, a reabilitação da Quinta das Olaias e do Castelo Silva Guimarães, a renovação do Parque Municipal de Campismo, as intervenções urbanísticas em curso (jardim, por exemplo), as “Figas”, os vários prémios que o município recebeu nos últimos anos, os múltiplos eventos desportivos na praia, entre muitas outras realizações.
Tudo foi perfeito? Não, claro que não. Nem nunca o será. É evidente que é preciso fazer algo sobre a erosão costeira, é claro que têm de ser conferidos atractivos adicionais para a fixação de pessoas e de empresas. É certo que há trabalho para fazer.
De todo o modo, o que é proposto aos eleitores figueirenses é uma escolha entre uma governação que reestabeleceu a dignidade do município e que, mesmo com as restrições conhecidas, conseguiu um conjunto significativo de realizações, que enfrentou o Leslie e o Covid 19, mobilizando meios significativos e umas alternativas que padecem dos problemas sérios que procurei assinalar. Algo paradoxalmente, o trabalho realizado tornou apetecíveis as candidaturas à autarquia. Bem os compreendo. Agora é muito mais fácil.
A escolha é entre, por um lado, quem deu provas sólidas de fiabilidade e que não hipotecou o nosso futuro colectivo e, por outro, o discurso cheio de coisa nenhuma ou o populismo serôdio. É nisto que estamos.
(José Correia - Economista)
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