Hoje a saudade rói-me a alma

Hoje a saudade ratinha rói-me a alma sem descanso. Indiferente ao meu sofrimento a torre acabou de badalar cinco vezes esta tarde. Quantas vezes ela badalou neste preciso tempo de muitos dias já passados em que a saudade ratinha cresceu, cresceu, cresceu ferozmente e me tem roído a alma sem descanso? Julguei que o tempo me secaria as lágrimas da dor causada pela saudade ratinha, mas estava enganado, essas lágrimas nunca secam. Essas nunca secam! Ela, a ratinha feroz, cresce dentro de mim alimentando-se da dor abafada. Hoje a saudade ratinha rói-me a alma sem descanso. Perdi a conta às vezes que a torre já badalou desde aquele triste marco preciso no meu tempo. Não sei quantos passarinhos se renovaram no seu constante trinar, parecem-me todos iguais, felizes, insensíveis, indiferentes e egoístas, mas não são, não têm culpa de nada. Tampouco contam o preciso tempo já passado, nem perscrutam à noite as estrelas sem descanso, nem são mordidos pela ratinha saudade feroz que em mim cresceu, cresceu, cresceu. Os passarinhos não sabem qual é o sabor das lágrimas da dor causada pela saudade. Hoje a saudade ratinha rói-me a alma sem descanso. Quantas badaladas ecoaram naquela torre também indiferente à minha tristeza durante o tempo preciso passado da minha saudade? Já alguém as contou? Já alguém se preocupou com isso? Aquela ratinha também não. Ela também já não é a mesma, ela também se renova como os passarinhos, ela é diferente a cada dia que passa, porque cresce, cresce, cresce sem parar, porque se torna cada vez maior e mais voraz. Hoje a saudade ratinha rói-me a alma sem descanso. Chorou o céu muitas e incontáveis lágrimas com a suavidade húmida dum pano de tule de cores muito tristes, neste tempo preciso de muitos dias já passados; outras vezes chorou as incontáveis lágrimas copiosas e grossas que formaram as ondas de arrastão que afogaram as alegrias e as esperanças que tínhamos num radioso porvir que nunca veio, porque inesperadamente atravessaste a porta misteriosa e sem retorno que nos leva para onde tu, eu, o tempo, a torre, o passarinho e o céu desconhecemos. Hoje a saudade ratinha rói-me a alma sem descanso. Falando contigo deste modo, aliviei a pressão do dique que contem as lágrimas que doutra forma me afogariam na dor sem cor, sem conta, sem tamanho, nem fim que corre dentro de mim desde aquele triste marco preciso no meu tempo. No meu porvir, virá um dia –perdoem-me a redundância- em que também eu atravessarei aquela misteriosa porta desconhecida e sem retorno e, só então, a minha alma terá descanso porque nunca mais aquela saudade ratinha me roerá.

Figueira da Foz, 25 de Abril de 2021.
* Este texto, foi escrito segundo os termos da ortografia anterior ao recente (des)Acordo Ortográfico.
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