O fraseado daquela escrita tinha a elegância dos passos flutuados dum Nureyev no bailado do Lago dos Cisnes. Ela transpirava vida, nela desenhavam-se imagens suaves com letras góticas penduradas no nada do ar. As letras percorriam o palco branco do generoso papel como a leveza cinza das nuvens suspensas no céu. O indizível ganhava formas maravilhosas na harmonia subtil do dizer as mesmas significâncias noutras palavras com audazes sentidos diferentes. Criava-me espanto ver-se dito ali, aquilo que ali não estava escrito assim, mas era mesmo assim, aquilo que ali estava dito. Oh, que encanto! Oh que beleza! Elas, a preto leve ou a azul clarinho marcadas, caíam finas como como uma chuvinha musicada de colcheias, de fusas e semifusas à pauta presas. Que bem me soa aquela escrita, aquela agitação, aquela correria, aquela pressa para me dizer silenciosamente o bom, o belo e a magia dos sonhos agasalhados na poesia. Ela, por vezes, num único verso abrigava um poema inteiro. Outras vezes, palavras vagabundas vagueavam pelo texto, ora ocultando mistérios, ora espalhando aromas, visões, cores alegres ou sofridas, ora perdidas, ora completamente fora de horas. É precisamente nesta escrita, neste jardim fraseado nos tons rosas, alfazemas, lilases de todos os aromas e sabores que a minha alma deita levemente a cabeça e sonha, e sonha, e sonha... horas e horas acordada a fio.

Walter Ramalhete.
Figueira da Foz, 24 de Janeiro de 2023.
Este texto foi escrito segundo a ortografia anterior ao actual ( Des) Acordo Ortográfico.
Reservados todos os direitos de autor.®