(Prévia) Nota Breve: Nos sonhos, tal como na escrita, não há uma ordem definida, às vezes, a folha está virada de cabeça para baixo e o texto começa pelo fim, daí que eu comece por dizer que as personagens são reais, mas quanto aos nomes..., uns são, outros não.
O sonho do Jorge é, ou era, simples, já não sei! Brilhavam-lhe os olhos enquanto viajava neles e mos ia contando: - Faltam-me quatro anos para a reforma. Não espero nem mais um dia! No próprio dia meto os papéis, até zunem!!! Piro-me logo para a "chanta terrinha", estou "case" a acabar "d′ajeitar" a casita, levo a velha, nem que seja à força - gargalhava-, compro umas cabras e um só bode (faço dele um bode feliz, haja pelo menos um neste mundo que seja feliz! - gargalhava mais ainda.) Antes do dia nascer, agarro na sacola, arranjo o farnel, meto-lhe um naco de pão, outro de presunto e "inda" outro naco, de cortar à naifa, daquele queijo alentejano, seco, do tipo pedra a cheirar a chulé, azedo como a porra!, ai tão bom, tão bom!!! - babava-se-, meto-lhe 0,75 daquele tinto Dão verdadeiro, mas falso como o Judas, pois no "rótlo" diz Dão, mas depois temos de o pagar, vai de gargalo à boca, nada de copo, "tira-le" o gosto. Boné na cabeça, albarda nas costas, naifa no bolso, relógio na mesa da cozinha -nunca mais quero saber das horas p′ra nada!- , guarda chuva ao pendurão na gola da albarda, solto as pitas e os "parrecos", piu, piu, piu, piu.... "lanço-les" uma medida de milho, depois a velha "dá-les" o resto do comer e ao Tó também, cajado na mão -já o fiz de boa madeira-, afino o assobio nos beiços e... ala... serra acima, só volto quando o sol começar a dar ares que vai apagar a luz.
Pois é, ou era -já não sei!- tão simples o sonho do Jorge, mas aquele maldito cansaço, aquela ferida no pé que nunca mais fechou, aquela restrição alimentar: não deve comer pão à vontade, hidratos de carbono ( - o que é isso?), sumos nem pensar... vinho também não!
São os diabitos, são os diabitos, não mandamos nada! nada! nada! lamuria-se o Jorge surpreendido pela reforma antecipada e forçada.
Reencontrei o Jorge triste, sem vivacidade, com um boné novo, ao invés do outro velho e querido, destinado aos dias de pastagem e também com o velho relógio no pulso. Reencontrei-o despido de brilho nos olhos e embrulhado no meio duma rapaziada silenciosa, mais velha do que ele, mas tão triste quanto ele, com a qual passará os seus últimos dias, aliás, chamam Centro de Dia àquele lugar. Então, a meio duma conversa sem sumo - talvez por causa da tal restrição, prefiro enganar-me assim-, faiscou-se-lhe o olhar e o humor quando ele me disse: - O meu sonhado bode também se lixou! Também lhe correu mal a vida! Não mandamos nada! nada! nada!
Era minha intenção começar este texto da seguinte forma: Não mandamos nada! nada! nada! Mas... como não mandamos nada! Ele começou-se daquela outra forma!
(Continua... )
Walter Ramalhete.
Figueira da Foz, 22 de Outubro de 2023.
Este texto foi escrito segundo a ortografia anterior ao actual (Des) Acordo Ortográfico.
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