transpor o véu
na hora da visita,
olharam-se olhos nos olhos, com olhos de falar - nestas alturas as palavras estorvam -, como estás? perguntaram-te os olhos dele silenciosos, responderam-lhe os teus num igual silêncio e falaram carregados de tristeza;
desânimo;
revolta muda;
choro seco;
pavor;
derrota!
entrelaçaram-se os dedos de ambos, permaneceram assim entrelaçados e calados, naquele silêncio comunicante, a ampararem-se um no outro até ao fim da visita, o relógio - esse descontador de tempo - foi implacável, é sempre implacável, contra as suas vontades ditou-lhes a separação, até amanhã, amanhã volto, respondeste-lhe nada, somente um olhar,
fixo;
vazio;
transbordante de tristeza;
foi o teu maior grito mudo de sempre,
tu sabias, mas ele não sabia, que esse amanhã e o depois seriam sempre sem ti, que esse amanhã nunca mais seria, que nenhuma palavra poderia melhor que o silêncio dizer isso, que nenhuma palavra poderia dizer com dignidade o pavor que te consumia, tu sabias que partir, transpor o véu, é o acto mais solitário que existe, mesmo que se faça com os dedos de alguém entrelaçados nos nossos.
Walter Ramalhete.
Figueira da Foz, 2 de Março de 2024.
Este texto foi escrito nos termos ortográficos anterior ao actual (Des) Acordo Ortográfico.
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