Opinião: Aposta no Rearmamento - Reflexões Urgentes para a Defesa Europeia

A Europa vive um momento de redescoberta das suas responsabilidades no campo da defesa, após décadas sob o amparo norte-americano. Durante a Guerra Fria, a NATO assumiu um papel determinante, garantindo a estabilidade do continente e permitindo que vários países europeus concentrassem os seus recursos em setores sociais. No entanto, a mais recente reorientação da política externa dos EUA, com prioridades divergentes das de outrora, levanta dúvidas sobre a capacidade europeia de enfrentar as ameaças contemporâneas. Confrontados com riscos híbridos, pressões geopolíticas e desafios tecnológicos, muitos defendem um aumento acentuado das despesas militares para salvaguardar a autonomia estratégica europeia.
Este argumento baseia-se na convicção de que, sem a modernização das suas forças, a Europa permanecerá refém dos interesses alheios. Num cenário global marcado pela crescente instabilidade, a dissuasão e a capacidade de resposta rápida podem fazer a diferença entre a preservação da soberania e a cedência às pressões externas. Assim, a cooperação militar entre os Estados-membros é vista como uma peça essencial para unir recursos e evitar fragmentações. Ao mesmo tempo, o debate em torno dos gastos de defesa desperta preocupações sobre o desvio de verbas de áreas como a saúde, a educação ou a investigação civil, que definem o projeto social europeu.
Apesar da polémica, há vozes que sustentam que este é o momento ideal para reformular o conceito de segurança continental. Em vez de se limitar à aquisição de armamento, a Europa pode investir em tecnologias dual use, desenvolvendo projetos de ponta que, além do campo militar, contribuam para a competitividade em setores como a inteligência artificial e a cibersegurança. A base industrial de defesa, reforçada por incentivos públicos, pode ainda gerar empregos qualificados e impulsionar a inovação, desde que conduzida com transparência e sob o escrutínio democrático. Assim, o aumento das despesas militares não significa um militarismo exacerbado, mas sim uma estratégia global de proteção e progresso.
Por outro lado, o passado bélico europeu não pode ser subestimado. A memória de guerras devastadoras e a herança de movimentos pacifistas ainda marcam a consciência coletiva de muitas nações. Neste contexto, há quem tema que, ao aumentar o poder militar, se reabra a porta para os nacionalismos exacerbados ou para rivalidades históricas. Este receio intensifica-se quando os países vizinhos adotam retóricas expansionistas, levantando alertas sobre uma possível corrida armamentista. No entanto, os defensores de uma defesa europeia robusta argumentam que a melhor forma de manter a paz é assegurar uma capacidade credível de dissuasão, capaz de travar eventuais aventuras militares de qualquer ator externo.
Note-se, embora, que a legitimidade de um reforço militar depende da forma como este é comunicado ao público. Os cidadãos europeus, habituados a políticas de bem-estar, pedem clareza quanto às razões para gastar quantias avultadas em novos sistemas de defesa. Assim, exigem-se relatórios periódicos, debates parlamentares e um planeamento conjunto que evite duplicações. Neste contexto, a ideia de um exército europeu tem sido discutida, mas enfrenta obstáculos políticos e culturais, para além de implicar reestruturações onerosas. No entanto, os sucessivos apelos à solidariedade dentro da UE poderão ganhar força se a sensação de vulnerabilidade se agravar, unindo os interesses nacionais em torno de um objetivo partilhado.
Do ponto de vista geopolítico, a Europa tem interesse em apresentar um perfil mais assertivo, sobretudo perante o afastamento gradual dos EUA das questões europeias. Este fenómeno impulsiona reflexões sobre a autonomia estratégica, conceito que visa dar à UE liberdade de ação para defender os seus interesses sem depender de terceiros. Note-se, no entanto, que a autonomia não equivale ao isolamento: a pertença à NATO permanece relevante, pois o elo transatlântico ainda é valorizado por diversos governos europeus. O objetivo passa por equilibrar a parceria com os EUA, reforçando, ao mesmo tempo, as capacidades internas e construindo uma coesão militar sustentada.
Os custos de tal empreendimento podem ser elevados, mas há quem sustente que são um investimento necessário. Se a Europa não se munir de ferramentas para lidar com ciberataques, missões de manutenção da paz ou eventuais crises internacionais, arrisca-se a perder influência no cenário mundial. No entanto, os países com recursos limitados receiam ficar para trás, sobretudo quando a disparidade orçamental entre os Estados-membros é considerável, pelo que se tem discutido a criação de fundos comuns para a defesa e partilha de tecnologias, assegurando algum equilíbrio. Neste sentido, o aumento das despesas não se limitaria a aquisições nacionais, mas também a projetos coletivos que reduzam as desigualdades dentro do bloco.
Ademais, importa não reduzir a segurança europeia à vertente militar, uma vez que as ameaças transcendem as invasões territoriais e incluem crises sanitárias, alterações climáticas e fluxos migratórios instáveis. Assim, uma estratégia defensiva ampla deve englobar a proteção de infraestruturas críticas, a cooperação em investigações científicas e a capacidade de resposta a catástrofes. O uso adequado das Forças Armadas em operações humanitárias ou de assistência reforça o seu papel junto das populações, evitando que a defesa seja vista como um mero gasto supérfluo.
De realçar ainda que rearmar a Europa exige prudência e uma visão de conjunto. O aumento das despesas de defesa pode libertar o continente de dependências externas e permitir uma postura mais ativa nos assuntos globais. No entanto, sem transparência na gestão de recursos e sem respeito pelos valores fundadores da EU, há um risco de retomar às lógicas belicistas. Assim, o desafio é equilibrar as necessidades legítimas de proteção e independência com a preservação do espírito de cooperação que moldou a história europeia. Se bem planeado, este reforço poderá converter-se numa alavanca para a inovação e a coesão, defendendo os cidadãos sem trair o ideal de paz que sustenta a identidade do continente.
A transição da política externa norte-americana, ao forçar a Europa a assumir novas responsabilidades, oferece a oportunidade de rever as prioridades e modernizar as estruturas. Isto não implica abdicar do diálogo ou do desenvolvimento sustentável. Uma política de defesa mais robusta deve ser acompanhada por investimentos em diplomacia, ciência e educação, pilares essenciais para a estabilidade. Ao conjugar o poder dissuasor com a cooperação multilateral, a Europa pode reinventar-se sem trair os valores de paz e solidariedade que alicerçam a sua génese. Este caminho reflete a vontade de proteger as conquistas políticas e sociais, num equilíbrio onde a segurança não suplanta o humanismo nem fragiliza prosperidade.

Bruno Santos
(Licenciado em Estudos Europeus. Frequenta o mestrado em Administração Público-Privada na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra)

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