Ser ou não Ser, eis a Questão

"Ser ou não ser, eis a questão." Estas palavras, eternizadas por William Shakespeare em Hamlet, ecoam na nossa consciência como um grito existencial, uma interrogação intemporal que atravessa os séculos. O dilema não se resume a uma dúvida sobre a vida ou a morte, mas expande-se para abarcar a essência do ser, a profundidade da existência e a incerteza que permeia todas as decisões humanas.
Para Jean-Paul Sartre, a existência precede a essência. Não nascemos com um propósito pré-definido; cabe-nos criar sentido no vazio, num mundo que, como dizia Albert Camus, pode parecer absurdamente indiferente; a existência é em si absurda, o desafio é procurar um sentido num mundo sem sentido. Camus coloca-nos uma dolorosa questão: A vida vale ou não a pena ser vivida? O ser, portanto, é um acto de coragem, um afirmar constante de si contra o nada. Não ser, pelo contrário, é a negação, o abdicar, o fugir de uma liberdade que, paradoxalmente, pode ser tão aterradora quanto libertadora. Estaremos preparados para a liberdade de escolha, assumindo responsabilidade sobre a nossa existência? Ao escolher em liberdade, o «mundo» e os «outros» deixam de ser responsáveis pelas nossas falhas.
Neste duelo entre ser e não ser, sentimos o peso da finitude. A vida é finita, e todos nós vivemos com essa consciência. Heidegger considera a existência humana como um "ser-para-a-morte". Este conceito, longe de ser um convite ao pessimismo, é antes um apelo à autenticidade. Só reconhecendo a nossa mortalidade poderemos viver de forma plena, conscientes do carácter precioso e irrepetível de cada instante. Afinal, o ser não é eterno; é transitório, frágil, como a chama de uma vela acesa ao vento.
Mas e o não ser? Será apenas ausência, vazio, esquecimento? Para os antigos gregos, o não ser tinha um lugar na ordem do cosmos. Parménides rejeitava a sua existência, afirmando que «o não-ser não é». Já Heraclito, pelo contrário, via o mundo como um jogo de opostos, onde o ser e o não ser se entrelaçam numa dança perpétua. Na sua visão, a vida é mudança, transformação, e o não ser não é necessariamente o oposto do ser, mas antes uma passagem, uma ponte para o novo.
No entanto, a questão colocada por Shakespeare não se esgota na metafísica. É, também, um apelo à reflexão ética. Quando Hamlet pondera sobre «a dor de um destino cruel» e «o mar de tormentas» que é a vida, questiona-se sobre o valor da resistência e a legitimidade da rendição. Será preferível lutar, mesmo quando a batalha parece perdida, ou ceder, aceitando a derrota? O ser, neste contexto, é acção, é vontade. Não ser é apatia, resignação. Mas será que o não ser, por vezes, não exige a sua própria forma de coragem?


No mundo contemporâneo, onde a velocidade e a superficialidade reinam, o dilema de Hamlet adquire uma nova dimensão. O que significa, afinal, ser? Será simplesmente existir? Ou será necessário resistir ao ruído, ao vazio do consumismo, para realmente ser? Talvez, hoje mais do que nunca, ser implique um regresso à introspecção, à redescoberta do essencial.
Por outro lado, o não ser manifesta-se como uma ameaça subtil, um convite ao esquecimento de nós próprios. Ao cedermos ao conformismo, à indiferença, ao automatismo do quotidiano, estaremos a não ser – não no sentido da morte física, mas no sentido de uma morte espiritual, um afastamento daquilo que nos torna humanos.
Ser ou não ser, eis a questão. Não existe uma resposta única, definitiva. Cada indivíduo, em cada momento, carrega a sua própria resposta. No entanto, talvez a verdadeira questão não seja simplesmente escolher entre ser ou não ser, mas sim aprender a reconhecer o valor de cada possibilidade e, no meio das contradições da existência, encontrar a coragem de viver.

António Ambrósio

COMENTÁRIOS

ou registe-se gratuitamente para comentar.
Critérios de publicação
Caracteres restantes: 500

mais

QUEM SOMOS

O «Figueira Na Hora» é um órgão de comunicação social devidamente registado na ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social). Encontra-se em pleno funcionamento desde abril de 2013, tendo como ponto fulcral da sua actividade as plataformas digitais e redes sociais na Internet.

CONTACTOS

967 249 166 (redacção)

geral@figueiranahora.com

design by ID PORTUGAL