OPINIÃO: «a equidade educativa também se mede em euros»

Cristina Loureiro

A diretora pedagógica do Conservatório de Música David de Sousa da Figueira da Foz e de Pombal, Cristina Loureiro, numa comunicação endereçada a grupos parlamentares do PSD, PS, CH, IL, L, PCP e CDS-PP e que se transcreve, aborda a questão da «total ausência de atualização do financiamento por alunos atribuído pelo ministério da Educação às escolas do Ensino Artístico Especializado».

(…)
Dirijo-me a Vossas Excelências na qualidade de diretora pedagógica do Conservatório de Música David de Sousa, da Figueira da Foz e de Pombal, para expor uma preocupação que está a gerar enorme ansiedade e receio junto das direções e professores de todos os Estabelecimentos de Ensino do Ensino Artístico Especializado (doravante, EAE).

I - Enquadramento
Em 2014 o salário mínimo nacional fixava-se em 485€ mensais.
Em 2025, ascende a 870€, o que representa um aumento superior a 79% num intervalo de onze anos.
Este crescimento, justo e indispensável à preservação da dignidade dos trabalhadores, contrasta de forma gritante com a total ausência de atualização do financiamento por alunos atribuído pelo ministério da Educação às escolas do EAE, em particular aos conservatórios de natureza privada que garantem o serviço público de educação em território onde o Estado não dispõe de oferta própria.
Atualmente, cerca de 90% dos alunos do EAE frequentam estabelecimentos desta natureza, cuja missão é assegurar a continuidade da rede pública de ensino artístico.
É desta forma que se garante a igualdade de oportunidades e a qualidade pedagógica.
Importa sobre este assunto referir que o financiamento por aluno nas escolas públicas é, pelo menos, o dobro do atribuído às instituições do ensino particular e cooperativo, situação há muito reconhecida por dados do Tribunal de Contas.
O Conselho Nacional de Educação solicitou igualmente informação atualizada sobre esta matéria, sem que, até à data, o Governo tenha prestado resposta. Continuamos todos a aguardar que o Governo se pronuncie sobre esta matéria e reponha a merecida justiça.
O valor de financiamento por aluno atribuído às escolas do ensino particular e cooperativo com contrato de patrocínio não sofre atualização há mais de 16 anos e passo a explicar:
- O financiamento do contrato de patrocínio em 2009 era de 3.150€ por aluno em regime articulado música e de 550€ por aluno da iniciação.
- Hoje, em 2025, o financiamento do contrato de patrocínio por aluno é de 2.600€ em regime articulado de música e de 350€ por aluno da iniciação. Valor fixado no ano letivo 2014/15.
Em contrapartida, as despesas operacionais das escolas aumentaram de forma exponencial.
Entre 2015 e 2024, os salários dos docentes cresceram cerca de 23% e a inflação acumulada atingiu os 8%, traduzindo-se num acréscimo global de 31% nos custos operacionais e de funcionamento da escola.
Durante este mesmo período, o financiamento estatal permaneceu inalterado.
Verifica-se, assim, de forma inequívoca, uma desigualdade injustificável:
Por um lado, o Estado tem procedido à atualização das tabelas remuneratórias dos docentes e funcionários do ensino público, reconhecendo a necessidade de acompanhar a realidade económica;
No entanto, mantém congelado o financiamento destinado às instituições privadas com regime de utilidade pública, que executam, em regime de contrato de patrocínio, a mesma função pública de ensino.
Este desequilíbrio, injusto e inaceitável, traduz-se num modelo estruturalmente insustentável, que coloca em risco a continuidade e a qualidade do ensino artístico especializado em Portugal.
A ausência de atualização do valor de financiamento por aluno configura, por conseguinte, um desequilíbrio ético e financeiro, que penaliza as escolas, as equipas de colaboradores, e, sobretudo, os alunos - cidadãos com igual direito constitucional à educação artística especializada.
Impõe-se, assim, uma revisão urgente e estruturada do modelo de financiamento, com base em indicadores económicos objetivos, designadamente o salário mínimo nacional, a taxa de inflação e o aumento comprovado dos custos operacionais.
Deste modo, propõe-se, em conformidade, que:
Seja instituído um mecanismo automático anual de cálculo que determine o valor de financiamento por aluno, devendo este estar indexado à inflação e à atualização salarial nacional;
O Orçamento do Estado para 2026 contemple propostas legislativas que assegurem a atualização real do valor por aluno na música, e por turma na dança e no teatro, e não apenas o reforço global do contrato de patrocínio;
Seja garantido que o aumento do financiamento não implique a redução de vagas por escola, evitando a redistribuição interna de vagas entre novas instituições que venham a integrar a «rede», como sucedeu no concurso ao contrato de patrocínio em 2024 (tendo sido assegurado na altura pelo Governo que apenas as vagas sobrantes é que seriam distribuídas por novas escolas a concurso, o que não sucedeu e criou desconfiança em todas as escolas do EAE relativamente a este Governo, por não ter mantido a sua palavra), o que apenas perpetua a insuficiência estrutural do sistema.

II - Promessas por cumprir
De referir que a direção deste estabelecimento de ensino, e muitas outras com as quais estamos em contacto, expressaram um alívio considerável em face das conclusões alcançadas nas reuniões ocorridas entre as associações que representam o setor do Ensino Artístico Especializado e a tutela - na presença do dr. Alexandre Homem Cristo, em junho/julho de 2024, nas quais foi reconhecido e confirmado o aumento do número das vagas financiadas, bem como a possibilidade de flexibilização da gestão das verbas entre os diferentes anos e ciclos de aprendizagem.
A flexibilização da gestão das verbas ocorreu - e estamos gratos por essa razão-, o que permite uma alocação mais eficiente dos recursos, adequando-os às necessidades reais e específicas de cada ano de aprendizagem.
No entanto, a promessa de que o aumento do valor de financiamento iria ser incluído no Orçamento de Estado de 2025 - que agradou a todos os diretores e colaboradores dos estabelecimentos escolares - não foi cumprida conforme nos havia sido prometido, o que perpetuou a desconfiança e a insegurança no planeamento financeiro das escolas.

IIII – Modelo de financiamento insustentável do setor na área da dança
Partilho ainda a situação concreta que vivemos no Conservatório de Música David de Sousa no que respeita à dança.
Há vários anos que alerto o Governo através de várias missivas escritas, para a necessidade de rever o valor de financiamento por aluno na área da Dança. Esta situação ficou ainda mais agravada em 2024, no que diz respeito ao Conservatório de Música David de Sousa. Ora, no concurso ao contrato de patrocínio de 2024, tendo sido atribuídas apenas 3 vagas de básico articulado de dança, isto traduziu-se num financiamento de 2.300€ por aluno x 3 vagas financiadas = 6.900€ que o Conservatório de Música David de Sousa Música recebe pelas 3 vagas atribuídas, por ano, até conclusão do 9.º ano de escolaridade. Contudo, se tivermos em conta que:
os alunos do 5.º ano do curso básico de dança têm 11h25m de carga letiva semana, os do 8.º ano têm 14h25m, e os do 9.º ano têm 17h25m e que um docente com 14h25m (carga letiva do 8.º ano) receberá 12.468,75€/ano, e que um docente com 17h25m (9.º ano) recebe 15.093,75€/ano, os 6.900€ que este Conservatório irá receber anualmente, ao longo de 5 anos, não cobrem sequer os 9.843,75€ que correspondem ao salário de um docente apenas do 5.º ano de escolaridade com as 11h25m de carga letiva - ficando a faltar valores para cobrir os salários com os horários dos 6.º, 7.º, 8.º e 9.º anos de escolaridade. E a situação vai agravando ano após ano, à medida que a carga letiva vai aumentando, e que, o salário do docente, tem que acompanhar a carga letiva exigida por lei.
Se a escola apenas recebe 6.900€/ano, de que forma poderá a escola pagar ao docente 15.093,75€/ano, que é o valor correspondente a 17h25m da carga letiva só do 9.º ano de escolaridade, para um docente que esteja na Tabela A?

Proposta de soluções:
Revisão imediata do valor de financiamento por aluno ou por turma: propor o aumento imediato do financiamento por aluno ou por turma, que tenha, pelo menos em consideração a carga letiva específica do curso básico de dança e o respetivo custo fixo com o salário dos docentes.
Considerando que a revisão imediata do valor de financiamento por aluno ou por turma possa não vir a ser possível, propõe-se que a escola seja ressarcida, já no próximo Orçamento de Estado, em 2026, pelos prejuízos acumulados dos anos transatos. Estes prejuízos resultam da discrepância entre as 3 vagas atribuídas por ano; o financiamento atribuído pelo Estado por decisão do Governo, e os custos fixos com os salários dos docentes, particularmente no curso básico de dança.
Para assegurar a sustentabilidade financeira desta e doutras instituições, recomenda-se que, a partir deste ano letivo de 2025/26, o Estado assegure, pelo menos, o financiamento equivalente ao custo fixo dos salários dos docentes da Tabela A, correspondentes à carga horária letiva das disciplinas lecionadas em cada ano de escolaridade. Poder-se-á calcular o total dos custos entre os 5.º e o 9.º anos de escolaridade e a partir daí, definir um valor intermédio. Este ajuste tem por objetivo garantir que a Escola possa cumprir a s suas obrigações salariais sem comprometer a qualidade do ensino e a acumulação de dívida, evitando, assim, o encerramento desta área de especificidade e futuros desequilíbrios financeiros.

Conclusão:
Fazer contas sem viés cognitivo, é trazer verdade e rigor aos números - não apenas os que constam do Orçamento de Estado, mas também os que se escondem por detrás da inércia política e da desvalorização do ensino particular e cooperativo.
O Estado poupa milhões à custa de instituições que sustentam o serviço público com dedicação, inovação e sacrifício financeiro - é o que sucede no ensino artístico especializado em escolas do ensino particular e cooperativo, onde estudam mais de 90% dos alunos do EAE! E sem aumento de financiamento desde 2009! Por que razão é tão difícil a mobilização para a realidade dos números? Há evidências produzidas por organismos do próprio Estado ao nível do custo médio por aluno/turma (não escondam os números!) e há decisores políticos que continuam a querer ignorar a realidade!
É tempo de reconhecer - com base em dados comparáveis e evidência - que a equidade educativa também se mede em euros.
E que o aluno de um Conservatório de uma Escola do ensino particular e cooperativo vale tanto quanto o de uma escola pública - não apenas no plano pedagógico, mas no respeito que o país lhe deve.
O serviço público não se reduz ao serviço prestado pelo Estado! Serviço público é todo o serviço que serve as pessoas! E é esse o compromisso que o Estado tem que assumir para responder às necessidades reais das comunidades.
A atualização equitativa do financiamento por aluno é condição sine qua non para a sustentabilidade do EAE e corolário de um ensino universalmente acessível e justo, pilar essencial do serviço público de educação, da coesão territorial e do desenvolvimento cultural do país.

Cristina Loureiro
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