O Milhafre reprovaria numa qualquer aula de física ou aerodinâmica mas consegue voar

Perguntam-me frequentemente porque é que, por muito que se explique uma determinada matéria escolar a uma criança ou jovem, ela mesmo assim não aprende. Sobretudo a matemática. Hoje vou concentrar a minha resposta na necessidade e na utilidade, mas primeiro conto uma história:
Esta semana quando viajava de carro apercebi-me da forma como uma ave de rapina planava sem bater as asas por longos segundos. Lá do alto, de forma praticamente estática, fixava o olhar naquilo que aparentava ser uma presa. À medida que os carros passavam debaixo da ave, ela ajustava-se de forma graciosa, sem sair do sítio, sem bater as asas. No momento certo, entre os carros que passavam, a ave fez um voo picado, agarrou na sua presa e subiu com a mesma rapidez com que havia descido, desaparecendo entre as árvores que ladeavam a estrada. Esta ave era um Milhafre. O Milhafre tem as competências técnicas para esta proeza, aprendeu através de imitação dos seres da mesma espécie a aptidão do voo, é resiliente através do foco no seu objetivo e motivado pela necessidade. 
No caso dos seres humanos, muitas das aptidões cognitivas avançadas, como, por exemplo, o cálculo, a linguística, a aritmética, entre outros, deverão passar por um processo de aprendizagem semelhante. Devem ser lógicos, intuitivos, devem responder a uma necessidade e serem adaptados para serem inteligíveis e aprendidos pelos alunos ao longo do processo. De uma forma simples, se o cérebro humano não perceber a utilidade de algo, não a considerar como necessária, dificilmente esta será inteligível e apreendida. Uma competência poderá ser explicada, no entanto, nada é tão poderoso quanto o valor da experiência vivida para o desenvolvimento dos mecanismos da aprendizagem, através também da necessidade de adaptação ao meio.
No caso do ensino tradicional em Portugal, os currículos são feitos sem ter em conta as características do público ao qual se dirigem, as necessidades do público e o método mais utilizado é o expositivo, salvo honrosas exceções. O método de ensino tradicional em Portugal dedica-se a ensinar conceitos, temos excelentes especialistas em conceitos, mas menos especialistas a darem uso prático a esses conceitos através da ação, da invenção e da inovação. Este conhecimento excessivamente teórico é vazio de utilidade prática. Temos um número considerável de alunos que são capazes de calcular o volume de uma piscina, porque é um exercício comum nos exames de matemática, mas não sabem calcular o volume de uma caixa sem tampa ou da bagageira de um carro, à entrada do Ikea.
Segundo dados disponibilizados este mês pelo ministério da educação, os alunos estrangeiros oriundos dos Palop e do Brasil têm níveis de retenção quase duas vezes superior a alunos de outras nacionalidades, nomeadamente os que são oriundos da China e de países de Leste. Quando analisamos os dados por ciclo de ensino verificamos que no final do segundo ciclo, a taxa de sucesso nos alunos Chineses é de 98%, enquanto a dos alunos Portugueses é de 96%. Para tirarmos conclusões do processo de aprendizagem, seguramente muitos outros dados têm de ser analisados. Contudo estes dados são factos que, pelo menos, nos devem fazer refletir sobre a importância da necessidade e da utilidade da informação e o impacto que esta tem na aprendizagem. 
Por isso eu digo que o Milhafre voa com mestria porque precisa e não porque alguém lhe explicou.

Paulo Cunha (Psicólogo e Coordenador da Mental School)

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