O meu gato passa o dia à janela a olhar a rua. Parece um gesto simples, quase banal, mas se nos demorarmos um pouco a observá-lo, percebemos que há ali qualquer coisa de profundamente humano, ou melhor, de profundamente existencial. Ele permanece quieto, imóvel, com os olhos fixos no movimento lá fora: pessoas que passam, carros que se cruzam, pássaros que se atrevem a pousar no muro do jardim. Não salta, não corre, não fala. Apenas observa. E, nesse silêncio atento, reconheço um reflexo daquilo que é a própria vida: a capacidade de esperar, de sonhar e de acreditar que algo está sempre para acontecer.
Na vida, muitas vezes, somos como um gato à janela. Passamos longos períodos a observar o mundo do lado de fora, à procura de sentido, de oportunidades ou até de respostas. Há momentos em que tudo parece distante, inalcançável, como se estivéssemos separados por um vidro invisível. Contudo, é justamente nessa distância que reside a nossa capacidade de sonhar. Porque sonhar não é ser possuidor daquilo que desejamos; sonhar é acreditar na possibilidade, mesmo quando ela ainda não se concretizou.
Tal como o gato nunca perde a curiosidade pela rua, nós também não devemos perder a curiosidade pela vida. As adversidades surgem inevitavelmente: perdas, fracassos, decepções, momentos em que tudo parece desfazer-se nas mãos. São como as noites frias em que o vidro da janela embacia e o mundo lá fora se torna turvo, quase invisível. Mas, mesmo nesses dias, o gato continua a olhar, paciente, confiando que a manhã trará de novo o movimento e a claridade.
Viver é aceitar este oscilar constante entre a sombra e a luz. Não existe alegria sem tristeza, nem vitória sem esforço, nem esperança sem momentos de dúvida. É no contraste que aprendemos a dar valor ao que conquistamos. Quem nunca enfrentou uma dificuldade não sabe verdadeiramente a força que carrega dentro de si. É o peso das adversidades que molda o carácter, como o vento que, ao longo dos anos, desgasta a rocha até lhe dar forma.
Mas viver não é apenas resistir. Viver é também permitir-se sonhar, mesmo quando parece absurdo. É acreditar que, para além da janela, existe um mundo vasto, cheio de cores, encontros e possibilidades. Muitos desistem porque confundem a espera com imobilidade. No entanto, esperar ativamente, tal como o gato que, imóvel, se mantém alerta, é preparar-se para o momento em que a oportunidade surge.
A esperança é, portanto, o fio invisível que nos liga ao futuro. Não se trata de ingenuidade, mas de coragem. Coragem para enfrentar os dias cinzentos sem deixar que eles nos definam. Coragem para acreditar em nós próprios quando tudo à volta parece dizer o contrário. Acreditar é o acto mais revolucionário que podemos praticar, porque nos mantém de pé mesmo quando tudo parece querer derrubar-nos.
Muitas vezes, olhamos para os sonhos como algo distante, quase inatingível, como se fossem meras ilusões. Mas a verdade é que os sonhos são mapas. São eles que nos orientam, que nos dão direcção, que nos lembram para onde queremos caminhar. Sem sonhos, a vida torna-se apenas repetição. Com sonhos, cada dia carrega em si a promessa de transformação.
É nesse ponto que a observação silenciosa do meu gato ganha sentido: ele não olha a rua apenas por olhar. Ele olha porque sabe, no instinto profundo que o move, que um dia poderá atravessar aquela janela e correr livremente lá fora. E nós, humanos, não somos diferentes. Observamos, sonhamos, esperamos e um dia atravessamos a nossa própria janela, quando reunimos coragem para transformar o que parecia impossível em realidade.
A vida pede-nos perseverança. Pede-nos que não deixemos que as derrotas temporárias apaguem a chama da nossa esperança. Pede-nos que olhemos para o futuro com a mesma intensidade com que um gato olha pela janela: atentos, pacientes, confiantes. Porque viver é mais do que existir.
António Ambrósio
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