A comunicação política entrou numa era de metamorfose silenciosa, mas decisiva. O espaço público, outrora mediado pela imprensa e pela televisão, tornou-se um território fluido, dominado pela lógica algorítmica e pelo jogo da atenção. A política deixou de ser apenas uma prática institucional e discursiva, tornou-se uma experiência simbólica, moldada pela emoção e pela visibilidade digital. Já não se trata de convencer através de ideias, mas de seduzir através de narrativas, diretamente em storytellings.
O modelo norte-americano foi pioneiro nesta transformação. Desde o final do século XX, as campanhas eleitorais nos Estados Unidos converteram-se em laboratórios de inovação comunicacional, mas foi o advento do palco digital, por Obama 2008(mais conhecido pelo Boom 2008), que consagrou a viragem definitiva para o palco digital.
A política compreendeu, então, o poder do ambiente online como mecanismo de mobilização e segmentação. O eleitor deixou de ser uma entidade abstrata para se tornar um conjunto de dados, um comportamento mensurável, uma emoção rastreável. O comício deu lugar mais palco ao ecrã, o panfleto ao feed, e o discurso público passou a ser administrado como um produto em tempo real.
Importa salientar que os palcos tradicionais não desaparecem, mas se hiperbolizam e reinventam mediante as segmentações proporcionadas pelo palco digital.
A figura do político acompanha esta mudança de comunicação política. A autoridade discursiva cede espaço à autenticidade encenada, o programa político é substituído pela narrativa pessoal. O político contemporâneo é um narrador de si mesmo, protagonista de uma história concebida para gerar empatia, proximidade e identificação. O storytelling tornou-se o idioma dominante da política moderna. O eleitor já não é convidado a aderir a uma ideologia, mas a reconhecer-se num enredo, o da superação, da vulnerabilidade, da coragem. É nesse terreno emocional que se constrói a fidelização simbólica de um político.
Em paralelo, a lógica da agenda setting consolidou-se como uma das ferramentas centrais do poder comunicativo. O desafio já não está apenas em transmitir mensagens, mas em definir quais são os temas que o público deve discutir. Controlar a agenda é controlar a perceção. Uma frase calculada, um gesto provocatório ou um silêncio estrategicamente mantido podem desviar a atenção, criar uma crise mediática e reorganizar as prioridades do debate. A política contemporânea domina a arte de fabricar acontecimentos, e os media, em busca de relevância e velocidade, frequentemente tornam-se cúmplices involuntários dessa encenação.
O marketing eleitoral, neste novo ecossistema, é uma simbiose entre psicologia, tecnologia e dramaturgia. As campanhas recorrem a ferramentas de análise comportamental, segmentação algorítmica e projetada para modular o discurso e calibrar emoções. Cada público recebe uma versão diferente da mesma história. A personalização extrema cria a sensação de proximidade, mas dissolve o espaço do coletivo. O cidadão é reduzido à lógica do consumidor: a sua atenção é o produto, a sua emoção é o mercado.
Os stakeholders multiplicaram-se. A política já não se dirige apenas ao eleitorado, mas também às plataformas tecnológicas, aos media, às empresas e aos influenciadores. O campo político é hoje uma rede interdependente de atores que disputam visibilidade e poder simbólico. A cada clique, a cada partilha, a cada reação, a narrativa é remodelada. O espaço público transformou-se num ecossistema de fluxos, onde a verdade se mede em métricas e o valor político se confunde com o alcance digital.
Esta transformação, contudo, traz consigo um paradoxo. A tecnologia ampliou o acesso à comunicação e democratizou a palavra, mas também abriu caminho à manipulação e à saturação informativa. O ritmo do digital favorece o impulso em detrimento da reflexão, o ruído substitui o silêncio, a emoção eclipsa a razão. A política, prisioneira da instantaneidade, arrisca perder a profundidade que a sustenta como prática democrática.
O storytelling e a agenda setting não são, em si, ameaças à democracia. São instrumentos de mediação simbólica e, como todo instrumento, dependem do uso que deles se faz. Se servirem para aproximar o cidadão, gerar empatia e ampliar o debate, representam algo que podemos conceder como positivo, mas, quando se convertem em técnicas de distração e manipulação, corroem o próprio sentido da palavra pública.
A comunicação política do século XXI vive entre o cálculo e a emoção, entre o marketing e o mito. O desafio está em restituir autenticidade à palavra e responsabilidade ao discurso. Num tempo em que todos comunicam, a verdadeira diferença reside em quem ainda é capaz de escutar. A democracia não se mede pelo volume da mensagem, mas pela profundidade da escuta. E talvez, nesse gesto, resida o último ato político genuíno da era digital.
Bruno Santos
Estudante de Comunicação e Marketing Político pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.
Licenciado em Estudos Europeus e a concluir o Mestrado em Administração Público-Privada pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
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