Pudera eu comandar a vida com sonhos e... outro galo cantaria!

"Os sonhos comandam a vida!" - sempre ouvi dizer. Comandarão também os meus a minha vida? Comandarão assim os das rosas, nem todas de rosa cor, enquanto elas espargem suave perfume roseiral,
amarelo, róseo, vermelho, branco, independentemente da cor?
Poisam na minha varanda pintassilgos, pardalitos e piscos que disputam com a aurora o meu despertar. Saltitam pintalgados de castanhos e das demais cores, camuflados nos piados rápidos, saltitantes, alegres e fugidos. Vêm com pressa e com pressa partem. Vivem numa irrequieta alegria.
Porém eu já não disputo nada, vergo-me apenas àquela vontade que a todos nos governa. Em comum, eu e os passarinhos, temos a pressa e a irrequieta alegria com que vivemos.
No decréscimo dos meus dias já só trato dos meus jardins: num, planto flores de letras na terra branca e aparo uma letra aqui, outra ali; junto umas letras em molhos e ato-as com vírgulas; outras, se ainda as quero aproximadas daquelas, separo-as com pontos e vírgulas, mas se as quero um pouco mais separadas daquelas, uso pontos e, para as que quero separadas separadas daquelas ou doutras mais, uso pontos finais parágrafos, ou mudo-as de canteiro - entenda-se, mudo-as de folha; quando elas juntas me surpreendem, apupo-as com um sinal de exclamação e se for muito grande a surpresa, posso chegar a usar três duma só vez e, se reticências me levantarem, pespego-lhes também com três pontinhos no final do caminho...; já assim não ajo quando no agir me cabe outro jardim, seja um de flores flores ou um outro de outras flores em tule de muitas cores envoltas e com os lábios pintados de sorrisos encantadores. Com elas geralmente sonho botões, cores, aromas, graciosos ramalhetes ou as negaças gargalhadas dessoutros jardins ambulantes e de elegantes ancas a dar a dar passinhos equilibrados em finos saltos altos.
Ao amanhecer, as rosas sorrirem-me perfumadas nas suas cores não só de tons rosa rosa, mas também as amarelas daqueles tons amarelos só delas, brancas-de-neve de tão brancas, outras dum vermelho forte de tanta paixão e até, pasmemo-nos, as negras negras tão negras como só essa única cor consegue ser.
Aqueles passarinhos madrugadores, indiferentes às minhas preocupações e às minhas dores, surdos aos sons do meu coração que já range como os abraços do ferro com ferro a exalarem cheiro a pó de ferrugem velha, descascada, dura, imprestável e insensível, dizia, aqueles passarinhos madrugadores, são donos de todos de todos os jardins, neles esvoaçam de flor em flor, sem compromissos nem deveres, completamente iludidos que comandam a vida, tal como comandam os seus piados maviosos, os seus irrequietos saltitos e também os seus inocentes sonhos.
Ah! Pudera eu comandar a vida com sonhos e... outro galo cantaria!

Walter Ramalhete.
Figueira da Foz, 15 de Janeiro de 2025.
Este texto foi escrito segundo a ortografia anterior ao actual (Des) Acordo Ortográfico.
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